O Impagável Lulu Geladeira
Mestre da Barra, Rei da Centenário, Terror do Nordeste, Gigante da Cidade Baixa ... quantas expressões se aplicariam a Luis Pereira dos Santos, baiano, mais conhecido como Lulu Geladeira.
O apelido, meio alegórico, veio de seu envolvimento com refrigeração, profissão real no tempo em que corridas eram puro romantismo não remunerado.
Essa atividade o livrou de alguns apertos, principalmente no colégio que estudava, por ser responsável pela manutenção das cantinas e laboratórios. O que dizer então da refrigeração com gasolina, quando "apagava" a ignição do motor - com um botão na alavanca de câmbio - nas descidas do circuito de rua e usava o combustível como refrigerante? Ao ligar o motor, a gasosa não consumida gerava em enorme língua de fogo no escapamento - um show à parte - enquanto o óleo já tinha perdido alguns graus de calor.
Veio do Kart, tendo participado, e ganho, a primeira corrida da categoria na Lagoa do Abaeté.
Foi piloto da bem estruturada equipe AF - Adriano Fernandes - com o patrocínio da Puma, Lajes Volterrana e concessionárias VW e apoio da Caria Ribeiro. Conduzia o antológico Puma amarelo nº 17 ou 71, primeiro Espartano a ser fabricado e que contava com a presença de Jorge Lettry - um dos pais da fera - na assistência técnica oficial de fábrica.
Os raríssimos Espartanos eram, como sugere o nome, pumas aliviados e preparados para competição. Tinham a fibra afinada e detalhes escolhidos pelos pilotos, como as tampas ampliadas para facilitar o acesso à mecânica. Poucos foram fabricados, sendo o primeiro enviado direto para Lulu. Após a "aposentadoria forçada" seguiu para São Paulo e perdeu-se no anonimato. Quem sabe?
O motor 1.8 - ultra vitorioso - foi convertido em 2.2 pelo próprio Lulu, que era o mecânico e afinador da usina, tornando-se praticamente imbatível. O carter seco conduzia 40 litros de óleo, com radiador, no lugar dos 2.5 litros convencionais.
Afirmava que o carro pouco importava, sendo confiante exclusivamente no próprio talento. Os pilotos corriam com protótipos, ou seja, cada um equipava e motorizava o carro como queria, independente de marca, potência ou cor. Chegou a entregar o Puma para que os adversários desmontassem e descobrissem os "segredos" de preparação.
"Que mais eu podia fazer?"
Averso aos pegas, que considera um desrespeito total, foi um dos grandes nomes das corridas da Avenida Centenário, circuito de rua de sentido horário para desestimular as comparações de tempo com arruaceiros macanizados.
Só como referência, a pista da Centenário tinha 3.090 metros e a corrida 35 voltas, em média. Os boxes ficavam onde é o Habib´s.
Av. Centenário
O respeito era tão profundo que o acidente na Curva do Calabar, que culminou na invasão de uma casa com um poderoso Jaguar, foi imediatamente desculpado pelo assustado morador. Bastou pagar os prejuízos e dar um autógrafo.
Jaguar XK
O raro bólido felino está, até hoje, no mesmo estado terminal, guardado em algum lugar de Salvador. Com a palavra, nosso Garimpeiro Mor Marcos Medeiros.
Apesar do destaque com o Puma, Lulu Geladeira pilotou muitos carros em incontáveis circuitos. As Provas do Farol da Barra e da Cidade Baixa são inesquecíveis, enquanto Ferrari, DKW e Jaguar fizeram parte do seu portfólio. O circuito do Farol ia até o Morro do Cristo, voltando pela apertada Afonso Celso.
Ferrari na Barra
Participou de muitas competições no Nordeste, principalmente Recife, e Fortaleza que contava com autódromo de verdade.
Lulu persegue o Topo Gigio, veloz fusca com teto de Karman Ghia
No automobilismo regional nordestino, Lulu Geladeira era o homem a ser batido e isto numa geração de bons pilotos como os cearenses Neném Pimentel, Antonio Cirino e Arialdo Pinho, os pernambucanos Fernando Burle e Ramon Cortiso (Topo Gigio), e os baianos Leonardo Godoy, Carlos Medrado, Mauricio Feinstein, Ivan Cravo, José Luis Bastos, Maurício Castro Lima, Johnny Brusell, Renato Accioly, entre outros.
Lulu conquistou a primeira vitória oficial na inauguração do Autódromo Virgilio Távora, em Fortaleza, em 1969.
Lulu em Fortaleza
Uma curiosidade: os 500 Kms de Salvador terminou numa delegacia de polícia, devido a uma "pataquada" (sic) da turma de Brasília. A pancadaria nos boxes foi generalizada e sobrou até para Jorge Lettry.
Em Fortaleza, o mito da "refrigeração" virou o "causo" do refrigerante, que ganhou até manchete de jornal. Lulu teve de parar no meio do circuito por causa de um câmbio travado. Ganhou um guaraná de um fã, desencavalou a marcha e ainda conseguiu ganhar a corrida!
Lulu de DKW
A última corrida da Centenário - 1972 - coincidiu com a fim das corridas na Bahia, imposição do governador Antônio Carlos Magalhães, que as detestava. Um engarrafamento na ladeira da Barra foi a gota d´água.
Foram 33 anos de jejum para o automobilismo baiano, quebrado em 2005 com a corrida do Comércio. Não por coincidência, o governador é outro e a influência política também. Trouxe até a stock-car para os "jardins" da governadoria!
Lulu foi lembrado, parcialmente, por Allan Kodhair, e deu uma volta nos poderosos tubulares da Stock, que classificou como "violentos". Adorou a experiência, mas, não teve direito nem a um convite para assistir a etapa. Triste!
Infelizmente o bloqueio cobrou muito caro ao segmento, que nunca realizou o sonho de um autódromo de verdade, e teve um apagão de patrocínios, pilotos e equipes. Lulu foi convidado por outros Estados e Países, mas não quis deixar a família e a profissão.
Esse "baixinho" de 84 anos, carismático e gentil, agiganta-se na história do Automobilismo Brasileiro.
Um nome a ser lembrado para sempre!
A telentosa vídeomaker Kátia Monteiro produziu um incrível documentário sobre Lulu.
São cinco capítulos imperdíveis!
Aguardem!